domingo, 6 de setembro de 2009

Da roça para a cidade...

- continuação do post anterior -

Antes de completar dez anos de trabalho na Fazenda Angú Frio, em Inconfidentes, propriedade do Dr. Luiz Miranda, meu bisavô já havia economizado o suficiente para comprar um quarteirão inteiro na cidade de Ouro Fino. Quarteirão é uma forma de dizer, porque a propriedade, abaixo da linha férrea, tem a forma de um triângulo. Segundo meu tio Ângelo Pellicano, isso também foi possível porque se tratava de área pouco valorizada. A parte melhor da cidade ficava justamente acima da linha, longe do ribeirão e de seus transbordamentos.

Numa das pontas do triângulo comprado pelo bisavô foi construida bem mais tarde, na década de 50, uma grande oficina mecânica. A outra ponta fica em frente a atual Praça da Baroneza. A terceira, em frente ao Bar Paraíso que existe desde quando eu era criança. Além disso, comprou um casarão na esquina, mais pro lado da Estação Ferroviária, desativada, onde agora funciona o Pavilhão das Malhas. Nada mais, hoje, pertence à família.

O casarão de esquina, que já não existe (foi derrubado e construíram no lugar uma grande e moderna casa assobradada) foi transformado por Ferdinando em pensão que abrigava principalmente estudantes das faculdades de Ouro Fino, como a de Farmácia (que também não existe mais), funcionários do Banco do Brasil e representantes comerciais. A pensão dava fundos para o ribeirão que hoje corre mais placiamente que outrora. E nele roupas de cama, da família e dos hóspedes eram lavadas.
Meus avós maternos, Venerina Ceccon Marcilio e Giuseppe Ido Pellicano

Vó Ina me contou que as mães dos estudantes vinham vistoriar as pensões onde os filhos ficariam e sempre saíam dizendo que a da Dona Marieta era a mais limpa, linda e de melhor comida. Com a mulher e as filhas mais velhas no serviço, Ferdinando Marcílio nunca mais pegou no pesado. Amanhecia e anoitecia de terno branco, chapéu, corrente com relógio de ouro no bolso do colete. E assim flanando, leve e solto, arrumou tempo para frequentar casas de senhoras de vidas, vamos dizer assim, suspeitas e acabou contraindo lepra, o grande mal daquela época.

Além dessas propriedades perto da, então, movimentadíssima Estação Ferroviária, Ferdinando havia comprado vários lotes grandes na Avenida Delfim Moreira uma das saídas para a zona rural da cidade e que começa na Praça da Baroneza. Eram lotes imensos, verdadeiras chácaras, que terminavam às margens do mesmo ribeirão que corria e ainda corre paralelo à estação ferroviária. Num desses lotes, já havia uma chácara formada e lá ele se auto exilou em uma das casas, segregado de todos, para esconder a doença. Dessa chácara saiam verduras, carne de porco e linguiça, além de ovos e frangos que abasteciam a cozinha da pensão. Os excedentes eram vendidos no mercado.

A pensão ajudou a casar pelo menos cinco filhas do casal com hóspedes valorosos: Venerina casou-se com Ido Giuseppe Pellicano, italiano de Civita, região da Calábria, que chegou ao Brasil como representante comercial da Singer; Carolina e Isolina, com funcionários do Banco do Brasil, e Maria (Mariquinha) com um formando em Farmácia. Duas delas, Luíza e Antônia fizeram péssimo casamento com o mesmo homem, gente da cidade. Luíza morreu prematuramente e Antônia, mesmo sabendo o quanto a irmã havia sido infeliz nos poucos anos que teve de casada, desposou o viúvo.

Rita, a mais velha casou-se com João Germinianni e com ele formou uma grande e próspera família. Ambrósia, irmã gêmea de Rita, casou-se com o italiano José Catanni. Perdeu uma filha, no parto. E nunca mais conseguiu levar uma gravidez a bom termo. Esterina casou-se com Benedito Bernardinelli, homem simples e bondoso. Teve um único filho, Paulo, que desposou a querida Olga Junqueira, uma das melhores costureiras de Ouro Fino, recentemente falecida. Tia Esterina e tio Dito tiveram uma vida longa, ela ainda mais que ele. Todas as tias, irmãs de minha Vó Ina, foram muito queridas pelos sobrinhos e sobrinho-netos. Eu mesmo me lembro com grande carinho de todas.

Minha bisavó Marieta morreu no carnaval de 1945, para a tristeza dupla das netas: perderam a avó e a folia porque naqueles tempos luto era coisa séria. Meu bisavô Ferdinando morreu bem antes da mulher. Poucos dias depois, veículos da Saúde Pública bateram de casa em casa para identificar os atingidos pela Lepra e abrigá-los em asilos. Todos suspiraram aliviados e agradeceram a Deus de não tê-lo visto passar por essa provação.

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